Por Moisés Almeida[1]
Sempre ouvi um ditado popular que “depois da tempestade vem a bonança”. Esperar pela bonança depois de uma tempestade de braços cruzados, será o mesmo que seduzir-se pela falsa promessa que vai “chover dinheiro”. Mais uma vez estamos esperando não a tempestade passar ou até mesmo chegar, pois nem de longe vai dar sinal de sua graça, mas sim a famigerada seca que teima em ficar. Lembro-me que há trinta anos, em 1982, o semiárido nordestino também esperava pelo sinal de bonança do céu. Foi “uma seca da moléstia”. Três décadas se passaram e os institutos de pesquisa confirmam que “retornamos ao tempo” e o sertanejo volta a experimentar “sua vida sem pão e água”. Previsão dos adivinhadores de chuva? Não. À Ciência se encarregou de confirmar que secas são cíclicas e o que passou deverá voltar, não só agora em 2012, como em outros anos futuros. Novamente, os depósitos para armazenar água estão ficando vazios: açudes, caldeirões, cisternas, barreiros; animais estão sendo vendidos a preço vil e água sendo cobrada até R$ 800,00 o pipa. Sim, o carro pipa voltou, para continuar sustentando a tão famosa INDÚSTRIA DA SECA. Li uma notícia no blog que assim dizia: “No Mercado do Produtor de Juazeiro, a saca de 60 quilos do feijão, que costumava variar entre R$ 100 a R$ 120, agora custa em média R$ 270,00. Com isso, o quilo do produto para o consumidor final, nas feiras e mercados, já ultrapassa R$ 5,00”. O feijão de corda deverá custar em breve R$ 10,00. Os preços vão subir gradativamente e o famoso caderno das bodegas e armazéns nas vilas, povoados e cidades do semiárido aumentarão suas linhas de despesas. O fiado vai valer muito nesta época.
Na penúltima semana do mês de abril o governo anunciou que vai disponibilizar R$ 2.723.000.000,00 (dois bilhões, duzentos e setenta e três milhões de reais) para as famigeradas ações emergenciais de combate a seca e ajuda às populações atingidas no Nordeste e Minas Gerais. Os últimos dados apontavam que mais de 500 municípios no Brasil já tinha decretado esse estado. A Bahia, por exemplo, ocupa quase 40% desse número, com cerca de 199 municípios calamitados.
Em Notícia publicada no Blog de Geraldo José no dia dez de abril, o leitor Vivaldo Ribeiro de Macedo informou o seguinte: “No interior a situação já muda, pois às vezes temos 20 famílias para uma cisterna que comporta a base de 16 mil litros isso quer dizer que são mais ou menos 800 litros de água por família para gasto mensal que darão 13 a 14 baldes mais ou menos.” Imaginem viver durante os trinta dias do mês com apenas treze a quatorze baldes de água. Por sua vez, no Blog de Carlos Britto no dia dezenove de abril, saiu a seguinte notícia: “No município de Dormentes, [...] o quadro é aflitivo na comunidade de Lagoas, a 48 km da sede, onde é possível testemunhar uma grande quantidade de peixes morrendo devido à pouca, ou quase nenhuma, água nos barreiros e barragens da região.”
Mais uma vez ouviremos palavras como cesta básica, bolsa família, carro-pipa. Esmolas infelizmente necessárias em tempos difíceis e previsíveis. Por que o governo não se preparou para enfrentar essa situação penúria? Mais uma vez teremos que ver a imagem do Nordeste sendo contrastada com o verde da irrigação em horário nacional? O Nordeste será reinventado nos mesmos moldes de antigamente e o refrão doloroso da música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga soará com hino do sertão?
Moro em Petrolina desde 1970 e sou abençoado por essas águas do Rio São Francisco. Às vezes comento que para a maioria dos moradores urbanos, até parece que não existe seca. O município tem 4.756,8 Km2, sendo que 4.585 Km2 fica na Zona Rural (compreendendo a área de Sequeiro – caatinga, área ribeirinha – margem do Rio São Francisco e área irrigada – projetos de irrigação). Sobre essas três áreas, a de sequeiro é a maior, compreendendo cerca de 3.300 Km2, formada por quase quatro mil pequenas propriedades, onde predomina a criação de pequenos animais e a agricultura, atividades que dependem diretamente das chuvas. Em termos de população constituímos a maioria, mesmo morando numa área bem pequena. Porém, somos irmãos e não devemos nesse momento pensarmos que o problema não é conosco, com toda Petrolina.
Preocupa-me bastante nesse momento de estiagem os recursos que serão gastos pelos poderes públicos em festas juninas. Comeremos o milho verde de onde mesmo? Das áreas irrigadas. Porém, ficaremos felizes ao assarmos o milho sabendo que nossos irmãos se contentaram com suas folhas secas? Algumas cidades na Bahia cancelaram as suas festas juninas: Caldeirão Grande, Irecê, Lapão, João Dourado entre outras não usurparão os cofres públicos em benefício da festa (Circo). Muito acertada também as decisões do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia e Ministério público, que vão fiscalizar as despesas com as festas juninas e não vão acatar gastos nos mês de junho, caso essas cidades tenham decretado o estado de calamidade pública.
Fiquei extasiado com essa notícia que retirei do site da Prefeitura Municipal de Petrolina: “A Prefeitura Municipal de Petrolina divulgou na última sexta-feira (27), na capital baiana, Salvador, algumas atrações confirmadas para o São João 2012. O lançamento da programação aconteceu na casa de shows Café Bahia Hall. Nomes como Geraldo Azevedo, Dominguinhos, Jorge de Altinho, Flávio Baião, Targino Gondim, Garota Safada, Joquinha Gonzaga, Flávio Leandro, Mastruz Com Leite, Limão com Mel, Paula Fernandes, Victor e Leo, dentre outros, devem passar pela cidade entre os dias 15 e 30 de junho.” Quantos milhões vão gastar, ainda não anunciaram. Podem até justificar que parte dos recursos são frutos de parcerias. Mas por que não fazer parcerias para amenizar o sofrimento dos nossos irmãos?
Estão proclamando o maior São João de todos os tempos, em tempos de crise, é claro. Enquanto nossos irmãos soçobram na área rural, esbanjaremos alegria, felicidade, amor e paz. Quanta ironia num tempo que a história se repete, como na Roma Antiga da política “panem et circenses” (Pão e Circo). “Este método era muito simples: todos os dias havia lutas de gladiadores nos estádios (o mais famoso foi o Coliseu) e durante os eventos eram distribuídos alimentos (trigo, pão). O objetivo era alcançado, já que ao mesmo tempo em que a população se distraia e se alimentava também esquecia os problemas e não pensava em rebelar-se. Foram feitas tantas festas para manter a população sob controle, que o calendário romano chegou a ter 175 feriados por ano.” (CITADO EM VÁRIOS TEXTOS, 2012).
Então, nossa querida Petrolina vai brilhar durante quinze dias, “NA SECA, SEM PÃO E NO CIRCO”. E o povo “deitado eternamente em berço explêndido” se regogizará com a grandiosidade da festa. Porém, nem mesmo perguntará porque tantos dias, artistas e atrações famosas. Será o “distraído” da persuação oficial e sequer questionará por acaso, que interesses existem por trás de um evento tão espetacular. Não vai compreender que em ano eleitoral a crise não existe, “porque dos filhos deste solo és mãe gentil”. E o pior, podem até comer do PÃO, porque o CIRCO está garantido, e a SECA, a cesta básica e o carro pipa resolvem, nesta pátria amada, idolatrada, Brasil.
[1] Mestre em História e Professor Assistente da UPE e FACAPE.
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