Na década de 1980 conheci“um
pequeno GRANDE HOMEM” José Rodrigues de Souza, Bispo da Diocese de Juazeiro-BA.
Na época eu trabalhava na Emissora Rural a Voz do São Francisco como operador
de áudio. Aquele pequeno homem de cigarro na mão andava pelos corredores da
Rádio um pouco antes das dezoito horas, às sextas feiras. Chegava sempre de
fusca acompanhado de Paulo Bispo para apresentar seu programa “Semeando a
Verdade”. Aproveitava aqueles momentos para reler um texto datilografado,
produzido especialmente para sua fala durante o programa. Quase sempre fazia um
relato de suas viagens pastorais e aproveitava datas santificadas,
comemorativas, cívicas para dar uma “aula de História”. Através desses
programas me inteirei de três fatos envolvendo manifestações populares:
Contestado, Canudos e Pau-de-Colher. Hoje esses eventos são parte de minhas
linhas de investigação.
Em 1990 fui convidado à
apresentar um programa radiofônico (A Voz do Velho Chico) em conjunto entre a
Pastoral Rural da Diocese de Petrolina e a Comissão Pastoral da Terra da
Diocese de Juazeiro. Nessas idas e vindas entre esses dois lugares, estreitei
meus laços com o lado baiano e fui me aproximando de Dom José. Em 1991, o então
representante da CPT no programa radiofônico, o falecido Padre José Carlos me
fez um convite para ser o coordenador do Setor de Comunicação Social daquela
Diocese. Prontamente aceitei o desafio e
na metade daquele ano estava eu no setor de comunicação aprendendo junto a Dom
Joséproduzir/montar o jornalzinho da Diocese “Caminhar Juntos”. Outras aulas surgiram, especialmente de língua
portuguesa, pois na correção do jornal -
todo escrito pelo bispo - aproveitava a oportunidade para me ensinar as
regras gramaticais. Ele não ia dormir enquanto eu não diagramasse o jornal e às
vezes ficava no Setor de Comunicação até perto de uma hora da manhã esperando o
material para levar para sua casa, e,antes das seis deixava em cima da minha
mesa para as correções finais. Quando o jornal ficava pronto, separava por
paróquia e colocava nas caixinhas. Todo cuidado era pouco, pois tinha um zelo
muito grande pela informação.
Eram duas paixões de Dom
José Rodrigues: a informação e a leitura. Fui agraciado na sua paixão pela
informação, pois foi neste Setor de Comunicaçãoque permaneci durante sete anos,
sempre sendo apoiado por esse Pastor. Não tive nenhum projeto apresentado a ele
que não fosse apoiado e grandes realizações conseguimos construir no tempo em que
fiquei na Diocese: rede de comunicadores populares, integração das paróquias
via fax, produção de jornal noticiário em rádio comercial, locadora de vídeos
educativa, produtora de vídeos entre outros.
Admirava ver o gosto de Dom
José pela Biblioteca Diocesana. Todas as manhãs, entrava na biblioteca,
arrumava os livros, separava as sessões, atendia inclusive o público, quando a
bibliotecária não conseguia encontrar os materiais solicitados. Assinava
jornais e revistas e minuciosamente recolhidas informações relevantes para
pesquisa e classificava-os em pastas. Quantas encadernações a biblioteca tinha,
em função desse cuidado de Dom José! Era
aposentado e os recursos de sua aposentadoria foram empregados na compra de
livros.
Quando chegava uma visita,
dois lugares eram certos para que ele pudesse mostrar: a biblioteca e o setor
de Comunicação. Nesse último, recebemos a visita de Cardeais e até mesmo do
ex-presidente Lula para uma entrevista.
Era metódico e gostava
muitas vezes de ficar sozinho em sua casa. Da janela do seu quarto olhava o
movimento. Certa vez eu estava no setor de comunicação em final de semana (era
folga de sua empregada D. Pedrina)e ele apareceu de repente com a camisa
ensanguentada, rosto com alguns pontos; tomei um susto. Perguntei: o que houve
Dom José? Ele me respondeu que o ônibus que vinha de Recife tinha descido uma
ribanceira e ele tinha batido o rosto na cadeira. Veio solicitar minha ajuda
para comprar os remédios que o médico passara. Rara oportunidade de contato
solicitando apoio em dias que estava solitário.
Para receber visitas era
necessário marcar com antecedência; atendia sempre o telefone pelo número.
Tinha dias que não queria receber autoridades. Lembro-me de uma visita que Lula,
então candidato a presidente da República fez a Juazeiro, numa viagem ecológica
pelo Rio São Francisco; ele me informara que por conta das insinuações na imprensa
que ele estava apoiando-o, não iria receber ninguém, iria deixar a campainha da
casa desligada. Pela manhã encontrei Leonardo Boff (Importante teólogo e amigo
do bispo) na porta da casa bispo batendo, sem ninguém atender. Eu disse
Leonardo, o bispo hoje não vai receber ninguém. O ex-Frei deu meia volta e foi
embora. No outro dia relatei o ocorrido, ele apenas ouviu e não me disse nada.
Custou a ter um aparelho de TV em casa e a sua
biblioteca particular era seu aposento. Quando fomos coordenar o setor de
Comunicação realizamos um trabalho de aproximação de Dom José com a imprensa.
Não foi uma tarefa fácil. Mas aos poucos, com a nossa contribuição,os repórteres
conseguiam bater em sua casa e ser atendidos (marcando com antecedência, é
claro). Não dava entrevista sem se preparar, pois primava pelo conteúdo e
especialmente pelas justificativas da informação à luz da sagrada escritura.
Fez poucas visitas ad liminaao Papa e certa vez me contou
que em Roma, ao visitar João Paulo II, andandono corredor de uma sala do
Vaticano, Joseph Ratzinger (Bento
XVI)na época prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, esperando-o com uma
cartilha da Campanha da Fraternidade (A Diocese de Juazeiro preparava sua
própria cartilha) indagou-o sobre as questões politicas no conteúdo daquele
documento. Dom José mostrou ao Cardeal as várias indicações e leituras da
Bíblia na Cartilha e disse: se essas referências da Bíblia são referências
políticas, então a cartilha é política. O Cardeal se calou.
Viajei
algumas vezes com ele, tomando o lugar de motorista. Se a vigem durasse duas ou
três horas, não me deixava um só momento sem conversa. Era outro Dom José que
no dia a dia mostrava-se fechado e calado, mas nas viagens e horas de lazer transformava-se
num conversador implacável.
Seu
destino foi traçado em Juazeiro com Nossa Senhora das Grotas,a quem tanto
amava. Seu legado social, político, religioso não deve ser esquecido nunca. Partir
um dia após as festividades do cinquentenário da Diocese, na festa de sua
padroeira, seloude vez seu destino. Não teria momento melhor para seu encontro
com o Pai.
Tenho
muito a falar desse Pastor, minha referência primeira. Posso dizer que parte da
minha intelectualidade devo ao trabalho que desenvolvi na Diocese de Juazeiro
ao lado de um Grande Homem. Aprendi que ser Cristão é ter preferência pelos
pobres e excluídos; consegui fazer outras leituras da prática do catolicismo
nas diversas pastorais sociais: da mulher marginalizada, da PJMP, da CPT, dos
Pescadores e muitas outras. Encantei-me com a celebração eucarística encarnada,
simples, sem aquela oficialidade vaticana. Acreditei que o Evangelho pode e deve ser
fonte de libertação dos pobres, oprimidos, marginalizados.
Continuo
ainda perseguindo esse ensinamento, mesmo tendo parte da Igreja Católica se
afastado dessa referência. Minha
vida mudou, meus projetos de vida foram modificados. Dom José Rodrigues, sua
prática, sua luta, sua simplicidade e seu testemunho me fizeram entender que a
vida tem um sentido cristão.“Deus não
escolheu os pobres porque com eles é mais fácil trabalhar. Muito pelo
contrário, é mais difícil. Ele não os escolheu para que os opressores lhes
façam caridade e lhes dêem esmolas. Pelo contrário. Do opressor Deus não exige
esmolas e sim justiça. [...] Nos pobres existem as sementes e a fonte do futuro
da humanidade. Pela força do amor divino, esta semente brotou a terra, começou
a crescer, formou um caule e deu uma flor, transformou-se em espinho e deu como
fruto a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Até hoje esta mesma semente brota
neste mundo, onde quer que os oprimidos, animados pela sua fé em Deus, nos
homens e na vida, ofereçam resistência contra a opressão e a morte, sem
deixar-se corromper pela mentalidade dos seus opressores”. (DOM JOSÉ
RODRIGUES apud PATER, 1996, p. 54-55). Devo e agradeço por ter convivido realmente
com uma PESSOA DE CRISTO. Que vá em paz e que sua memória seja eterna. Muito
grato!
¹Professor
Assistente da Universidade de Pernambuco e Autarquia Educacional do Vale do São
Francisco.
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