segunda-feira, 2 de julho de 2012

Constante Ameaça


O mundo respirou aliviado no Natal de 1991, quando Mikhail Gorbachev renunciava ao governo da União Soviética (URSS), pondo fim a mais de 74 anos de comunismo na Rússia. Achava-se que, por fim, o risco de um holocausto nuclear havia acabado. Duas décadas depois, o perigo se faz presente e ameaçador. Se por um lado, países como o Brasil e a África do Sul aderiram ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, por outro, a fechada Coréia do Norte o abandonou em 2003. O Irã, signatário do Tratado desde 1968, vê aumentarem as suspeitas sobre a natureza de seu programa nuclear, acusado pelos EUA de possuir fins militares.Israel mantém sob sigilo seu programa atômico, havendo relatos de que já possuiria centenas de ogivas. Na Ásia continua a mini Guerra Fria entre Índia e Paquistão, que vem desde a década de 1970, quando ambos realizaram seus primeiros testes nucleares. Entre os dois, o caso mais preocupante é o do Paquistão, por conta da guerrilha talibã que ameaça o governo central. Se ela vencesse, grupos terroristas teriam acesso a todo um arsenal atômico. Já os velhos rivais, Rússia e EUA, por meio do acordo START, em 2010, reduziram um terço da quantidade de suas armas nucleares. Hoje, sabe-se que apenas nove países possuem bombas atômicas – o grande medo é que os Estados não sejam mais os únicos com acesso a elas.


Partindo da crise dos mísseis
Para se entender como a comunidade internacional chegou a este ponto, deve-se partir da Crise dos Mísseis de 1962, quando a URSS alocou mísseis dotados de ogivas nucleares em solo cubano, causando como reação um bloqueio norte-americano da ilha. Considera-se atualmente que o mundo nunca chegou tão perto de uma Terceira Guerra Mundial como naqueles treze dias de outubro. Mais do que isso, a era nuclear, anunciada quando da detonação das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, demonstrava que tal conflito, caso ocorresse, não seria marcado pela imagem das trincheiras, dos tanques, e da mobilização de tropas, mas pelos cogumelos atômicos. A partir de um intenso esforço diplomático entre os governos dos EUA e da União Soviética, o conflito foi sanado, e um esforço conjunto se iniciou em torno do progressivo desarmamento de seus arsenais. Um ano após a crise, o presidente John Kennedy e o premiê Nikita Kruschev assinavam o Tratado de Interdição Parcial de Testes, objetivando banir testes de armas nucleares em terra, no mar e no espaço. O problema estava em que, mesmo com as duas superpotências mundiais chegando a um primeiro acordo, o acesso à tecnologia bélica das bombas atômicas e de hidrogênio parecia democratizar-se. Em 1952, o Reino Unido realizou seu primeiro teste nuclear, seguido oito anos depois pela França de Charles de Gaulle. E em 1964, a China de Mao Tse-Tung, às beiras de declarar o início de sua Revolução Cultural, juntava-se ao seleto grupo dos Estados nucleares.

Um novo mecanismo foi pensado então para suprir as necessidades de desarmamento. Tratou-se do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) de 1968. Originalmente pensado numa esfera exclusivamente russo-americana, seu texto incluía os cinco países até então reconhecidamente detentores de arsenais atômicos, estabelecendo entre eles o compromisso tripartite de longo prazo: não permitir a proliferação das armas em questão; desarmamento; e promoção do uso pacífico da tecnologia nuclear. A terceira bandeira anunciada pelo Tratado visava atender às expectativas dos países em desenvolvimento, então extremamente organizados no bloco não-oficial do Terceiro Mundo. A História, que compõe as últimas décadas da Guerra fria, e as primeiras de nossa época, é uma de frustração dos planos aventados.


Caso do Paquistão
Logo, após inúmeros Estados terem assinado e ratificado o texto de 1968, Índia e Paquistão marcariam as manchetes mundiais. Ambos haviam recusado aceitar os termos do Tratado, enquanto enfrentavam suas próprias tensões militares. Em 1974, na Operação Smiling Buddha, a Índia detonou seu primeiro artefato nuclear. O Paquistão, entretanto, mantinha um programa de tecnologia nuclear para fins bélicos desde o início da década. Levariam ainda alguns anos, mas em maio de 1998, quinze dias após a Índia realizar o segundo teste de sua história, o Paquistão executava o seu primeiro, detonando cinco artefatos nas montanhas Chagai. Tornava-se assim o primeiro Estado majoritariamente muçulmano a dispor desse tipo de arsenal. As preocupações em torno dos armamentos paquistaneses aumentaram consideravelmente em 2009. A guerrilha talibã, que transpunha a fronteira afegã, começava a ameaçar o governo central em Islamabad. Se tomassem a capital ou desestruturassem o comando do Estado paquistanês, os fundamentalistas poderiam ter acesso ao arsenal, agregando ao risco de conflito nuclear com a Índia a possibilidade da utilização de bombas-A em ataques terroristas.


Oriente Médio
Deixando a Ásia Central e indo até o Oriente Médio, dois países congregam agora as atenções do mundo: Israel e Irã. O Estado de Israel, que jamais assinou o Tratado de Não-Proliferação, mantém até hoje sob uma penumbra de mistério, a verdadeira natureza de seu arsenal, sem sequer admitir a posse de armas nucleares. O ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, no entanto, vazou, em 2008, a informação de que Israel teria aproximadamente 150 ogivas. O Irã, por sua vez, está sob o escrutínio da Agência Internacional de Energia Atômica, que o acusa de usar seu programa de enriquecimento de urânio para fins militares. Israel vem deixando claro que não permitirá que o Irã desenvolva esse tipo de arsenal, o que aventa a possibilidade uma guerra entre os dois países.
Já no front de desarmamentos bem-sucedidos, a década de 1990 viu os Estados recém-independentes da Ásia Central e do Leste Europeu abrirem mão de seus arsenais. Os novos países, como a Bielorússia e a Ucrânia, todos ex-repúblicas soviéticas, em cujos territórios o Exército Vermelho havia construído silos de mísseis e bases de lançamento nuclear, passaram por um rápido programa de desarmamento, aceitando transferir todo o arsenal para a Rússia. A África do Sul tornou-se inclusive um caso simbólico. O país nutria, desde a década de 1940, o desejo de possuir a bomba-A. Tendo desenvolvido um programa de enriquecimento de Urânio, chegou a produzir seis artefatos. O regime do apartheid acreditava que, possuindo tais armas, poderia defender-se de uma tomada comunista do continente africano, que vislumbrava no exemplo do regime marxista de Angola. Já em fins dos anos 1980, quando adentrava em seu período de abertura democrática, a África do Sul tornou-se o primeiro Estado a fechar voluntariamente seu programa nuclear, desmantelando as ogivas das quais dispunha. 

Coréia do Norte
Caminho contrário tomou a Coréia do Norte. Sendo signatária do TNP, denunciou o Tratado em 2003, dele se retirando. Três anos depois detonou seu primeiro artefato nuclear, realizando um segundo teste em 2009. Como conseqüência, aumentaram as tensões com a vizinha Coréia do Sul e com o Japão, que recentemente se puseram em estado de alerta quando a Coréia do Norte anunciou que testaria em abril seu novo foguete, no intuito de colocar um satélite em órbita. Sobre o regime de Pyongyang pesavam acusações de que o lançamento teria fins militares, constituindo um teste de míssil balístico de longo alcance. De acordo com autoridades norte-americanas, japonesas e sul-coreanas, o foguete teria quebrado e caído no mar logo após sua partida. O que foi rapidamente celebrado como um fiasco acabou adquirindo a função de lembrar ao mundo a dificuldade de conter o acesso à tecnologia nuclear. O perigo agora é que os Estados não sejam mais os únicos a disporem da mesma.



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