domingo, 24 de novembro de 2013

Como a Albânia protegeu os judeus dos nazistas




The New York Times
Joseph Berger

Houve um punhado de países europeus onde a máquina de matar nazista engripou, mas poucas dessas históricas parecem mais dignas de nota e são menos conhecidas do que a da Albânia.

 
Albaneses comuns ajudaram a transferir judeus de esconderijo para esconderijo, para fugir da captura, e assim o país salvou praticamente todos os 200 judeus nativos e outros 400 judeus refugiados da Alemanha e Áustria. O país também ajudou a esconder centenas mais de terras nos Bálcãs ocupadas pelos nazistas.

"A Albânia foi um dos únicos países europeus a ter mais judeus no fim da guerra do que no início da guerra", disse Michael Berenbaum, ex-diretor do projeto do Museu Memorial do Holocausto nos EUA.

Um quadro completo desse resgate só surgiu no início de 1990, depois do colapso de um governo comunista particularmente obscuro e repressivo, e foi confirmado pelo Yad Vashem, o instituto de pesquisa do Holocausto, em 2007. Ele vai ser recontado em 8 de dezembro no Museu de Herança Judaica em Nova York, quando descendentes de judeus resgatados e de albaneses responsáveis pelo resgate darão depoimentos.

A Albânia tem razões práticas para querer que essa história seja conhecida. O país está buscando adesão à União Europeia mas suas chances estão prejudicadas por um histórico de corrupção enraizada. A história de resgate não só destaca um episódio de magnanimidade albanesa, mas, num momento em que a Albânia promete limpar seu governo, ela também mostra que os albaneses cumprem suas promessas.

A história do resgate, disse Ferit Hoxha, embaixador albanês para as Nações Unidas, mostra que "embora estivéssemos fechados num dos regimes comunistas mais duros, as pessoas desta nação são nobres e tão capazes de agir com coragem como qualquer um Europa".

Na maior parte da Europa, a Solução Final foi extremamente eficiente: 90% dos 3,3 milhões de judeus da Polônia foram mortos, 88% dos 240 mil judeus da Alemanha, 77% por cento dos 70 mil judeus da Grécia, com números semelhantes e assustadores em outros lugares.

A diferença excepcional na Albânia, dizem especialistas sobre o episódio, estava enraizada numa crença nacional chamada 'besa' que obriga os albaneses a oferecer abrigo e passagem seguro para qualquer um que busque proteção, particularmente se houve uma promessa disso. A omissão resulta em perda da honra e da reputação.

"Isso envolve a proteção sem exceção a um convidado, mesmo ao ponto de perder a própria vida", escreveu Shirley Cloyes DioGuardi, uma das organizadoras do evento em Nova York, cujo marido, ex-deputado Joseph H. DioGuardi, visitou a Albânia no início de 1990 e ajudou a descobrir detalhes sobre o resgate.



Outra explicação, diz Cloyes DioGuardi, é que, na Albânia, um país católico romano e ortodoxo oriental até que o domínio otomano levou a conversões para o islã a partir do século 15, a etnia sempre teve mais valor do que a religião e a piedade é fervorosa. "Sabíamos que nossos inimigos queriam usar religião para nos dividir e conquistar, mas sabíamos que tínhamos o mesmo sangue", disse Akim Alickaj, um albanês étnico criado em Kosovo que é dono de uma agência de viagens e cujo pai ajudou a resgatar judeus. "A religião muda, mas a nação e o sangue não podem ser alterados."

Dois outros países também preservara a maioria de seus judeus. Quando os ocupantes alemães ordenaram a deportação de 7.800 judeus da Dinamarca, em 1943, vizinhos, colegas e ativistas, numa manifestação quase espontânea de ajuda e de resistência, transportaram mais de 7 mil judeus, a maior parte em barcos de pesca, por um canal até a neutra Suécia, de acordo com Bo Lidegaard, editor-chefe do jornal Politiken.

Bulgária se aliou aos nazistas e entregou mais de 11 mil judeus da Macedônia e Trácia ocupadas para deportação para os campos de extermínio. Mas quando uma ordem veio para deportar os cidadãos judeus da própria Bulgária, membros do parlamento e líderes religiosos fizeram pressão para o governo resistir, e 48 mil judeus sobreviveram.

Quando os nazistas entraram na Albânia, em setembro de 1943, tomando o país dos fascistas italianos, mais brandos, dois judeus que moravam na cidade de Vlora – Rafael Jakoel e seu cunhado – reuniram-se com o prefeito. Ele disse aos irmãos, de acordo com a neta de Jakoel, Felicita: "Enquanto vocês estiverem aqui, não têm com o que se preocupar, mas os alemães são os alemães, então é melhor ir para a capital."

Felicita Jakoel, em 1992, com seu pai, Josef, que conseguiu se esconder dos nazistas com a ajuda de albaneses.

 Rafael Jakoel e seu cunhado foram a Tirana para se encontrar com o ministro de interior, Xhafer Deva, de um governo aparentemente fascista que colaborava com o nazismo. O ministro até mostrou a eles uma lista de judeus que os alemães haviam pedido. No entanto, o sentimento de besa era tão forte que ele não entregou as pessoas da lista, disse Felicita Jakoel.

"Enquanto estivermos aqui, vocês não precisam se preocupar", disse ele, de acordo com Felicita Jakoel, que hoje, como muitos judeus albaneses, vive em Israel. "Mas se algo nos acontecer você terá que cuidar de si."

Tradução: Eloise de Vylder

Fonte: Uol Internacional - The New York Times
Matéria Original: The New York Times

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